domingo, 9 de março de 2014

A decisão de mudar


“O que é que vou fazer hoje para o jantar?”
Assim começa o livro que estou a ler atualmente, “The Omnivor’s Dilemma” e, curiosamente, esta é a pergunta que mais ouço relacionada com comida, seja das amigas ou colegas de trabalho, ou de mim própria. Deveria ser uma pergunta de fácil resposta, tão grande é a panóplia de alimentos que podemos comer, mas não é. E para mim, desde há algum tempo para cá, passou a ser ainda mais complicada de responder.
Para tentar responder a esta pergunta, vou começar pelo fim: estou a tornar-me vegan. Não por uma questão de saúde, talvez tenha começado pela saúde com os alimentos biológicos, mas agora por uma questão moral.
E o que é ser vegan? Há uns anos atrás eu achava que os vegans eram pessoas radicais e fundamentalistas, que só comíam o que cai das árvores para apodrecer, raízes, e pouco mais. Parece ridículo, mas ainda hoje eu ouço isto, e não tem nada a ver com a realidade.
O veganismo nasceu em 1944, criado por um senhor chamado Donald Watson que fundou a British Vegan Society, primeiro para se distinguir do termo vegetariano que incluía o consumo de ovos e leite, e depois para definir um modo de vida sem consumir quaisquer produtos animais nem a exploração dos animais. Da palavra vegetarian, pegou nas primeiras e as últimas letras e criou a palavra vegan.
E ser vegan é simplesmente isto. É não consumir produtos animais, tanto na alimentação como por exemplo no vestuário. Para mim é uma escolha consciente daquilo que como e de como a minha vida e o meu consumo pode afectar as vidas dos animais (ou dos outros animais), e é uma escolha ponderada e consciente das implicações que isso pode ter na minha saúde (para melhor, espero eu), e das consequências que o nosso modo de vida pode ter na natureza, no planeta, no mundo que deixo para os meus filhos.
Mas a história da minha decisão não começou relacionada com os animais, começou com as frutas e legumes biológicos, e com a minha preocupação com os pesticidas que estava a dar de comer aos meus filhos, e os nutrientes e vitaminas que eu acreditava não serem suficientes nas frutas e legumes de produção intensiva. Um dia, ingrediente após ingrediente, comecei a olhar para os alimentos que compro no supermercado, a procurar entender o que cada um é, se é saudável ou não, se é suposto estar naquele alimento ou não, se me vai fazer bem, se não vai fazer nada, ou se me vai fazer mal. Em conversas com amigas, artigos de revistas, jornais e internet, blogues e livros, aos poucos comecei a mudar alguns ingredientes e a adicionar outros à minha alimentação e da minha família, por acreditar que nos farão melhor.
Foi um processo que começou no supermercado, quando um dia reparei nas frutas e legumes biológicos no Pingo Doce. Os preços eram mais caros, mas comecei por comprar alguns para ver se notava diferença entre esses e os não-biológicos do costume. Ao desembrulhar um pedaço de abóbora o seu cheiro era tão intenso (de bom!) que o meu marido que estava no outro lado da cozinha disse “o que é isso que abriste que cheira tão bem?”. A partir daí passámos a comprar mais fruta e legumes biológicos, depois passámos aos iogurtes, e mais tarde ao leite. Foi uma mudança por fases. Era tudo um pouco mais caro, mas acreditámos que fariam melhor à saúde do que os não-biológicos, e decidimos tentar continuar a consumir esses produtos sempre que pudéssemos.
Sou uma pessoa de cidade. Nasci e vivi a minha vida toda na cidade e a minha família é toda de Lisboa e arredores. E isto de ser da cidade tem um aspecto importante no que toca à comida. A minha comida vem do supermercado. Não vem da horta do avô, ou das galinhas da avó, ou do porco lá da aldeia. Vem da prateleira do supermercado. Aprender que o leite vem da vaca é algo subjectivo e não muito real para mim enquanto criança, porque nunca vi uma vaca a ser ordenhada. O leite vem do pacote da prateleira do supermercado. A única excepção a isto foram os ovos. Há 37 anos atrás Cascais (onde eu nasci) era quase província, e lembro-me de ser pequena e ir com a minha avó a casa de uma vizinha que tinha uma capoeira com galinhas e íamos lá comprar os ovos fresquinhos postos no próprio dia. Essa deve ter sido a relação mais próxima que tive com os animais que comía. Entretanto desde essa altura até agora tudo mudou, a casa da vizinha transformou-se num prédio, tal como todos os outros ao lado, e passámos a ir comprar os ovos ao supermercado.
Nunca mais pensei nisso até ter filhos, e ao vê-los crescer comecei a recordar de novo estes episódios, porque apercebi-me de que o seu único contacto com a proveniência da nossa comida é mesmo o supermercado. Como pouco posso fazer quanto a isso, comecei a procurar informação sobre a proveniência, composição e processamento dos alimentos que compro, e aos poucos, comecei a optar por produtos biológicos em detrimento de alimentos processados, por acreditar que mantêm os nutrientes que são suposto ter e que não têm pesticidas, hormonas de crescimento, e outros aditivos prejudiciais para a nossa saúde. Curiosamente, para isto contribuiu o facto de viver numa grande cidade, onde tenho disponível uma grande oferta de supermercados, com uma grande variedade de alimentos. A 5 minutos de casa tenho hipermercados, supermercados, mini-mercados, supermercados biológicos, e à distância de uns cliques até tenho uma quinta com serviço de entrega ao domicílio de alimentos frescos biológicos, como se fosse a minha horta pessoal. Se vivesse numa cidade mais pequena, certamente não teria toda esta oferta.
Assim, apesar de a minha “terra” ser o 7º andar de um prédio na cidade, consigo facilmente ter acesso a toda uma panóplia de produtos alimentares, que me permitem fazer uma alimentação mais saudável.
Desta forma, aos poucos comecei a alterar a alimentação da minha família, começando pelos alimentos biológicos, escolhendo também alimentos não biológicos com poucos ingredientes e pouco processados, optando por vezes por escolhas vegetarianas. Desde que comecei a comprar carne biológica, deixei de comprar e consumir porco e perú, e mantive só as carnes de vaca e frango em casa, alternadas com pratos vegetarianos. Penso bem no que compro, planeio refeições (quando me dá para isso), não compro quantidades grandes de comida e não desperdiço. Todas as sobras são transformadas e reaproveitadas.
Quem olhar para mim no supermercado vê-me a virar as embalagens à procura das listas de ingredientes, a lê-las, e muitas vezes a voltar a colocá-las na prateleira. Compro muitos frescos, fruta, legumes e alimentos de despensa pouco ou nada processados. Quando compro carne só compro biológica, e tomo atenção à origem do peixe, e se as embalagens de atum têm o símbolo dolphin safe.

Entretanto, com tudo isto, com a pesquisa por uma alimentação mais saudável comecei a tornar-me mais consciente do que é e do que implica comer animais e produtos animais. De como nascem, as condições em que vivem, o que comem, como é que uma vaca tem leite (sim tem que ter um bebé), o que é a carne de vitela (sim são os bebés das vacas), como é que as galinhas vivem em gaiolas, como vivem as porcas que vão ter bebés. Enfim, é todo um mundo assustador para o qual eu não quero contribuir mais.
Na verdade acho que sempre fui receptiva a essa opção. Desde que me lembro de mim que só comía os animais mais “habituais” ou “tradicionais” da cultura ocidental, vaca, porco, frango e perú, além de alguns peixes. No único dia do ano em que comía cabrito (no Natal) já não me sentia muito à vontade a olhar para o meu prato, e sempre recusei comer outros animais, como coelho, pato ou borrego. O meu motivo era que não gostava do sabor da carne, mas ao lembrar o meu primeiro contacto com um coelho em criança, acho que sempre tive umas células vegan em mim.
É uma das minhas memórias mais antigas, devia ter uns 5 ou 6 anos de idade, e fui à terra da minha avó no norte do país, a casa de uns familiares que eu não conhecia. Eles tinham alguns animais e mostraram-nos (às crianças) um coelho, deixaram-nos tocar nele e, é claro, adorámos o coelho, era tão fofinho. Entretanto disseram-nos que tínham que levar o coelho porque ele ía ser o almoço desse dia, e íam matá-lo, tirar-lhe a pele e arranjá-lo para o cozinharem. Eu fiquei chocada, só me lembro de estar dentro de casa a pensar que estava uma pessoa a matar o coelho lá fora, e a imaginar como seria, uma imagem gráfica horrível. É claro que quando serviram o coelho ao almoço eu não comi nada, e desde esse dia nunca fui capaz de comer coelho. Em 37 anos de idade, quando me diziam para experimentar uma carne de um animal fora do meu habitual eu sempre respondia “já como animais suficientes, não quero nem preciso de comer outros”.

E assim agora vem a vontade de me tornar vegan. Para mim foi a evolução da procura por alimentos mais saudáveis e menos processados, para o viver em paz com os animais. É a consciência de que o motivo pelo qual eu como animais é puramente cultural, e a escolha de que animais comer é simplesmente aleatória: nasci em Portugal, por isso como vacas, se tivesse nascido na Índia não comia vacas, se tivesse nascido na China comia cães, e por aí fora.
E quando me dizem “somos omnívoros, temos que comer de tudo.” eu respondo “ser omnívoro significa poder comer de tudo, e não ter que comer de tudo.”, significa poder escolher.

Então quero tornar-me vegetariana ou vegan?

Esta é a pergunta para a qual ainda estou a procurar a resposta.
Neste momento sou algo intermédio. Penso que estou um passo à frente de vegetariana, mas ainda não sou vegan. Há quase uma ano que não consumo leite de vaca nem lacticínios, mas ainda consumo ovos biológicos e peixe. É a ideia de que para ter leite e ovos não é preciso matar as vacas e as galinhas, mas estou-me a aperceber que não é bem assim. Além disso quase todos os alimentos que compramos têm leite de vaca ou derivados como ingrediente, ingredientes esses que vêm de animais de produção intensiva, mesmo que seja em pequena quantidade como por exemplo a margarina para cozinhar, por isso ainda não me posso considerar vegan. Mas lá chegarei. :-)
Duas coisas são verdade:
- eu era feliz quando não lia listas de ingredientes e não pensava na origem dos alimentos que consumia, era uma ignorância feliz.
- mas agora que penso de outra maneira já não seria capaz de voltar a ser assim, e sou feliz de uma forma muito mais compensadora e reconfortante.
Já não consigo comer sem consciência daquilo que estou a comer. Talvez agora às vezes me sinta angustiada nas compras, porque as escolhas são difíceis e às vezes cansam, mas isto é um processo que tenho que passar, e sinto a minha consciência mais tranquila e feliz, sinto que estou a tentar deixar um mundo melhor para os meus filhos e a educá-los para continuarem a transformar este mundo num mundo melhor do que o que temos hoje.
Aos poucos (mais uma vez aos poucos, porque uma tão grande mudança na alimentação de uma pessoa só se consegue fazer com sucesso se for assim) tenho escolhido o que eliminar da minha alimentação e o que incorporar. Ou porque acredito que será melhor para a minha saúde, ou porque é o melhor para a minha consciência. E como sei que é um processo cujo início não é fácil, seja por dificuldade em encontrar informação, seja por não saber o que comer, ou seja por quem está próximo não entender ou aceitar, decidi partilhar o meu processo aqui. Este será o meu livro de receitas pessoal, e será também o meu registo de vitórias e dificuldades nesta viagem para ajudar a tornar o mundo num sítio melhor.

2 comentários:

  1. ola! tava à procura de comida de bebe e reparei q nunca mais actualizou o outro blog q tanto m inspira, ja sei agr onde a encontrar!

    beijinho

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    Respostas
    1. Olá Patrícia! Pois é, o outro blogue ficou parado, mas agora estou aqui. Obrigada pela visita! Beijinhos.

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